Não há conclusão definitiva sobre efeito da droga; pacientes crônicos relatam que
remédio do qual dependem está sumindo das prateleiras
Na última quinta-feira (19), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que a Food and Drug Administration (FDA), equivalente à Anvisa brasileira, iria liberar o uso de um remédio contra a malária, a hidroxicloroquina, para o tratamento da Covid-19 – doença causada pelo novo coronavírus. Embora a própria FDA tenha esclarecido que mais estudos são necessários para liberar esse medicamento, a declaração fez com que pessoas no mundo todo, incluindo o Brasil, corressem para comprar o remédio. E isso é um problema.
Em primeiro lugar, os estudos sobre a eficiência da hidroxicloroquina, ainda que tragam esperanças no combate ao SARS-Cov-2, são bastante preliminares. Um deles, de pesquisadores chineses, foi publicado na revista Nature na quarta-feira (18). O estudo foi feito integralmente com células in vitro, ou seja, não houve testes em pacientes humanos. Outro estudo, de pesquisadores da França, testou apenas 36 pacientes, e não foi revisado por outros cientistas. Além da escala pequena, o teste foi feito sem randomização – separação aleatória de grupos de pacientes para evitar que fatores externos influencie nos resultados da pesquisa. Ainda não é possível tirar conclusões definitivas sobre ambos os estudos.
Em segundo lugar, e mais importante, a corrida às farmácias reduziu a disponibilidade do medicamento para pessoas que usam hidroxicloroquina como tratamento de doenças crônicas. Embora tenha sido desenvolvido inicialmente para malária, essa substância também é usada no combate a lúpus, artrite reumatoide e reumatismo, entre outras doenças. Ou seja, quem corre para garantir um remédio cuja eficácia ainda não foi comprovada está colocando em perigo pessoas com doenças reais.
O que é hidroxicloroquina?
O sulfato de hidroxicloroquina foi desenvolvido em 1946 como um substituto da cloroquina, droga que era utilizada no tratamento da malária. Um dos protozoários que causam a doença tropical, o Plasmodium falciparum, se tornou resistente à droga mais antiga. Além disso, a velha cloroquina, se consumida em doses exageradas, pode matar. A hidroxicloroquina é menos tóxica, ou seja, os riscos de overdose são menores.
Além da malária, a hidroxicloroquina passou a ser usada no tratamento de algumas doenças crônicas. Segundo a Anvisa, pacientes com dois tipos de artrite, dois tipos de lúpus, e “afecções reumáticas e dermatológicas” em geral, incluindo problemas na pele causados por excesso de luz solar, têm boa resposta ao tratamento com a droga. Com isso, ela se transformou em um medicamento relativamente comum até mesmo em áreas que não são afetadas pela malária.
No Brasil, os remédios Plaquinol, do laboratório Sanofi-Aventis, e Reuquinol, da Apsen, têm o sulfato de hidroxicloroquina como princípio ativo. Há, ainda, versão genérica disponível nas farmácias.
Estudos preliminares
Na última terça-feira (17), um grupo de pesquisadores da Universidade de Aix-Marseille, na França, divulgaram um estudo clínico preliminar sobre o uso de hidroxicloroquina no combate ao Covid-19. Um grupo de 20 pacientes, em diferentes estágios da doença, foi submetido a doses diárias de 600mg da substância por seis dias. Alguns deles também foram tratados com azitromicina, antibiótico usado em tratamentos de infecções respiratórias. Outros 16 pacientes foram usados como grupo de controle. 70% dos tratados com hidroxicloroquina se curaram da Covid-19, incluindo todos os que receberam também a azitromicina.
Embora os resultados sejam animadores, a amostra é, como os próprios pesquisadores admitem, muito pequena. O estudo não foi randomizado e os testes não foram “cegos”. Isso é fundamental para evitar vieses na pesquisa médica. Além disso, a pesquisa foi divulgada antes de passar pelo processo de revisão por pares – quando outros cientistas avaliam os métodos e os dados apresentados pelos pesquisadores, conferindo mais segurança ao estudo.
Na quarta (18), outro estudo foi publicado na revista Nature, desta vez por um grupo de pesquisadores da China. Nesta pesquisa, os cientistas concluíram que a hidroxicloroquina é eficiente na inibição do vírus SARS-Cov-2 em células in vitro. Esse último detalhe é importante: a pesquisa não foi realizada diretamente com pacientes infectados, e sim com tecidos humanos isolados. “Nós prevemos que essa droga tem um bom potencial para combater a doença. Essa possibilidade aguarda confirmação por testes clínicos”, diz o texto.
Ou seja, embora os primeiros estudos mostrem que hidroxicloroquina é, de fato, um remédio promissor no tratamento da Covid-19, seu uso ainda não é recomendado. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforça esse ponto. “Para a inclusão de indicações terapêuticas novas em medicamentos, é necessário conduzir estudos clínicos em uma amostra representativa de seres humanos, demonstrando a segurança e a eficácia para o uso pretendido”, diz a nota publicada pela agência reguladora.
Outros remédios também têm mostrado eficácia em estudos iniciais – entre eles a própria cloroquina, Kaletra (combinação de lopinavir e ritonavir, usado no combate ao HIV), favipiravir (remédio para gripe), remdesivir (remédio contra Ebola) e o Interferon beta (um antiviral).
Estocando remédios
Embora as pesquisas sejam preliminares, o anúncio de que um remédio relativamente comum pode ser eficiente contra a Covid-19 fez com que diversas pessoas corressem às farmácias para comprar hidroxocloroquina. Há relatos de pessoas fazendo estoque do remédio e alguns vídeos circulam em redes sociais com médicos recomendando o medicamento. Como resultado, as caixas de hidroxicloroquina estão sumindo das prateleiras das farmácias, prejudicando quem realmente precisa do remédio para viver.
Lúpus é uma doença autoimune e sem cura que atinge cerca de 200 mil brasileiros. Ela afeta diversos sistemas do corpo, incluindo as articulações, a pele, os rins e o sistema nervoso. A hidroxocloroquina é fundamental para manter a doença sob controle. Porém, portadores da doença e seus familiares de diferentes partes do Brasil, incluindo Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, têm registrado dificuldades em encontrá-lo.
Logo, a compra de hidroxocloroquina para tratamento da Covid-19 neste momento e, principalmente, sem prescrição médica não apenas é desaconselhada. Ela é prejudicial às pessoas que dependem do remédio no dia a dia.
Fonte: Folha Uol
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário!!!